segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

The couple

Era começo de inverno em Shinden Asahina, o vento gélido cruzava a cidade deixando as ruas desertas,  o jardim sem flores, tudo aumentava uma inegável sensação de solidão. Mesmo os heimins que eventualmente transitavam pela casa pareciam mais silenciosos que o normal quando ela deixou o local.

Após alguma caminhada Yukimi ajoelhou diante da pedra de sepultamento devotando-lhe um longo cumprimento.  Três hastes de incenso são acesas. As mãos brancas, de unhas claras e levemente arredondas vão tirando da cesta diversos presentes. Chá, arroz, legumes, ovos e vários peixes são servidos em cerâmicas refinadas diante da pedra. Enquanto o vento espalha o aroma pelo local sagrado o verdadeiro sabor é das memórias, de incontáveis refeições silenciosas que dividiram exatamente assim, frente a frente.

Essas visitas costumam ser todas iguais, quase uma continuação dos anos de palavras breves, mas sempre houve ao menos uma presença envolta em toda esse silencio, enquanto agora havia apenas saudade. Dessa vez, por algum motivo, ela começou a falar. Tinha a voz baixa de sempre, os olhos também:

Eu me lembro do dia em que conheci Daidoji-sama, eu estava caminhando perto de Kyuden Seppun, eu era responsável pela delegação da Garça na corte que acontecia ali enquanto uma guerra tentava retomar Otosan Uchi. Minha família estava preocupada e eu tinha recebido uma carta. Provavelmente a carta mais feliz da minha vida. Minha mãe me dizia sobre os arranjos que foram feitos para o meu casamento, me contou detalhadamente sobre a família de Daidoji-sama, e finalmente sobre o próprio Daidoji Yori-sama, eram palavras comedidas mas cheias de esperança e muito verdadeiras, eu me apaixonei por elas. Eu li a carta tantas vezes aquela noite que no dia seguinte, enquanto caminhava, eu podia lembra-la quase que completamente.
Então um bushi apressado veio na minha direção, foi bem fácil reconhecer a armadura em cores da Garça, impecável. Ele me cumprimentou com o devido respeito, eu retribuí. Quando ele começou a falar eu achei a voz bonita, eu tive a sorte de ouvi-lo cantar algumas poucas vezes nos anos depois disso. depois do nome eu sabia que estava diante do noivo, Daidoji-sama. Talvez eu tenha sido deseducada mas não pude evitar de erguer os olhos, Daidoji-sama tinha um ar severo mas era exatamente como a carta dizia. Por formalidade me apresentei de volta, devo ter soado arrogante com todos os títulos que carregava na época, na verdade eles eram pesados, eu achei que teria alguma ajuda para lidar com todas as decisões e vidas ali. Daidoji-sama voltou a falar, sobre como a situação era tensa na corte e no fronte e não era tempo para casamentos, não foi difícil perceber que, ao contrário de mim, Daidoji-sama estava extremamente desapontado com a situação e com o que havia lido na carta que recebeu naquela manhã. Eu fiquei com vergonha, vergonha do quão feliz eu estava, do quanto eu havia entesourado aquela noticia. Eu me comportei como se eu não soubesse de nada e estivesse surpresa em saber do noivado. Eu lembro desse dia tão bem. Daidoji-sama me cumprimentou e foi embora tão celeremente quanto havia vindo, e eu não fiz nada, eu não o vi de novo até o dia do casamento. Eu só fiquei ali, com o mesmo sentimento estranho e solitário que tenho agora, tantos anos depois. Apesar da educada insatisfação que eu vi, eu não fiz nada...

Depois do casamento Daidoji-sama sempre foi gentil comigo, e todas as palavras eram verdade, Daidoji-sama foi um bushi corajoso, um samurai honrado, um bom marido e pai. Dividiu comigo alguns momentos felizes e suas melodias, eu sou muito grata por isso. Dividiu também perdas pesadas e momentos terríveis, e eu sou grata também, por Daidoji-sama ter estado lá. Eu sabia, desde o dia em Kyuden Seppun, que sempre haveria essa distância, por muitos anos ela me incomodou, e eu me esforcei e cada esforço meu provavelmente só fez Daidoji-sama ainda mais resoluto do espaço a ser preservado, desde os presentes até... todas as coisas...
Eu era feliz, mesmo com essa distância... Agora seus filhos estão crescidos, Aimi-san se tornou daimyo no meu lugar, ela é talentosa, sagaz e cortes, tem a admiração da família sem perder o controle real, ela é melhor nisso do que eu mesma fui. Takehiro-san se tornou um ótimo shugenja, de coração pacifico mas muito hábil em entender as necessidades dos mundos físico e espiritual. Koemi-san segue os seus passos na escola Daidoji, com aptidão inigualável tanto no arco quanto na espada, tenho certeza que tanto o pai quanto o avó a veriam com muito orgulho. Chiyo-san estuda nos templos do Sol da Manhã, tem a mente afiada e mesmo tão jovem atrai o interesse da família Isawa. São bons filhos, cujo os caminhos começam a se separar do meu. 

A mão, que repetidamente foi ao rosto enquanto ela falava finalmente desiste de tentar conter as lagrimas. Ela leva a testa junto do chão algumas vezes durante o plangor, deixando finalmente escapar o pensamento que a perturbava desde o primeiro dia:

Eu sinto muito se eu fiquei no caminho da felicidade do Daidoji-sama nesses anos, eu sinto muito. Se eu fiz isso por favor me perdoe. Por favor me perdoe e aceite me encontrar quando for o meu momento de voltar para os ancestrais.

O vento frio acompanha o pranto gelando as lagrimas e forçando as mãos dela a deixarem o chão e voltarem para o rosto limpando as lágrimas frias, mais uma vez tinha vergonha, os anos que dividiram foram encurtados pelos inimigos do Império sem que ela pudesse fazer nada, sem que ela soubesse quanto mais havia sido sacrificado. Yukimi respira fundo, subitamente retomando a compostura, espeta os hashis no arroz diante da pedra e revive o momento das várias refeições silenciosas que dividiram, de alguma forma aquilo era menos solitário.
Depois de pouco mais de uma hora o incenso termina, as oferendas são cuidadosamente recolhidas e após um ultimo cumprimento ela se levanta, finalmente ergue os olhos para a pedra, vendo entalhado ali "Asahina no Daidoji Yori" ao lado do seu próprio nome, em intensas letras vermelhas "Asahina Yukimi".

0 comentários:

Postar um comentário